Meus queridos Amigos ( memórias dos anos de chumbo musicada )
BOM
DIA A TODOS….aos meus “Queridos amigos”
Estamos no último sábado do mês do outubro Rosa, da paz e da
prevenção do câncer de mama. Aquele fim de primavera no Brasil e,
fim de outono para mim no hemisfério norte.
Lá
ainda temos flores, “para nao dizer que eu nao falei de flores”
e, caminhando e cantando vamos todos novamente rumo a um verão
tórrido ou um inverno gelado, queimando a pele, congelando os ossos
e afetando, pelo jeito, os “miolos” de muitos. Como foi o caso do
inesquecível Geraldo Vandré, que mesmo ainda vivo e cantando, nunca
mais deve ter se esquecido dessas últimas flores, talvez aquelas
que cobriram os caixões de muitos de seus companheiros, aqueles que
tiveram a chance de tê-lo! Muitos, nem isso!
Eu,
vivi essa época e, me lembro vagamente aos 10/11 anos, de um
primeiro carnaval no Rio de Janeiro, já que eu sempre toda a vida
até então e, muito anos depois também, passei meus carnavais em
Ibicuí, uma praia ex-deliciosa, no caminho entre o Rio e Angra
dos Reis.
Por
que esse carnaval me marcou tanto? Meus pais estavam muito
preocupados com a falta de emprego, pois meu
pai trabalhava numa empresa aérea chamada "PANAIR do BRASIL" a primeira e maior
companhia aérea
brasileira. Como
já diz o Milton
Nascimento e
imortalizado por Elis Regina -
“nas
asas da panair” - na sua linda canção
Sim, a Panair tinha «falido». Coisa impossível de ser aceita pelo
meu pai, pois ele era o Tesoureiro chefe da companhia e, sabia
perfeitamente, que ela não estava falida. Sim tinha alguns balanços
“ vermelhos” por compras de aviões novos, como toda companhia de
aviação do Mundo tinha mas, o seu patrimônio era imenso .
Mas
a ditadura, instaurada pelo regime militar Brasileiro, em represaria
politica a alguns empresários, fecharam em 1965 a empresa, assim
como muitas outras também, como por exemplo, a querida Tv Excelsior
dos “indiozinhos” da propaganda, e milhões de desempregados pelo
Brasil e mundo afora, pois a Panair tinha equipes também na Europa
e na América do Sul.
Depois
de muitos anos, a comissão
da verdade, confirmou aquilo que o meu
pai dizia em casa baixinho, pois não
se podia mais dizer nada abertamente.
Para
mim ficou a sensação de medo, um segredo! Não se comenta nada do
que você ouvir aqui, entendeu? Um carnaval no Sport Club Mackenzie no
Méier e uma fantasia de bolinhas rosas junto com a minha prima
Tetê,vestida de cigana! E, eu acho que a primeira sensação de
medo do futuro, inocente, do tipo “será que não vamos mais à
praia? Ou será que, não teremos dinheiro para eu comprar meus gibis
no jornaleiro da rua? Leitura sempre foi o meu fraco, mesmo antes de
pensar na comida! Afinal, isso nunca tinha faltado antes e
felizmente, nem depois .
A
vida foi passando, outros empregos apareceram. Meu pais se recusou a
ir para a Varig, que ficou com todo o “lixo”, vários aviões
novos e, muitos funcionários da Panair, mesmo seus melhores amigos.
Para ele estava fora de questão, na sua teimosia taurina, a Varig
era a co-responsável por isso, era a beneficiária de toda essa
falência arbitrária. E ele era sempre muito teimoso, tem alguém
que puxou a ele, algumas gerações depois.
Mas
bom, apesar da teimosia e de todos os “tios Guilherme, Eunápio , Wilson etc, falarem ,venha conosco? Ele nao foi. Mudou para uma empresa
de Whisky - a OLD LORD - do dono da ex cubana Bacardi, agora
americanizada e logo a seguir, a PANAM outra cia aérea tb
americana. O tempo nos mostrou depois, toda a influência da
política americana nefasta, na nossa ditadura de então. Mas isso,
ele não sabia ou se sabia, não tinha certeza, ninguém tinha
certeza de nada naquela época.
A
influência dos USA daí para a frente foi sentida claramente, por
todos. Escutamos menos discos europeus, pelo menos em casa ,passamos a ter fast food, o primeiro foi o BOBS tupiniquim imitando
americano. As modas , as músicas, a língua secundária foram nos
invadindo, no dia a dia até hoje. Eu, que sempre fui do “francês”,
fui obrigada a aprender inglês. Acho que o trauma ficou até hoje.
Detesto! Mesmo cantando e ouvindo Beatles e outros, nos bailes do
mesmo Mackenzie. Mas uma coisa eu confesso: eu tinha um compacto
simples do “Je
t’aime moi non plus” proibido na época da ditadura, “a
moral e os bons costumes”, que eu ouvi em algumas festas dos meus
15 anos, rodeada de amigos e “paqueras” da época. Muitos deles,
que hoje infelizmente, parece que se esqueceram de toda essa
repressão.
A
vida correu “normal” tb na adolescência, naquele Brasil dos 60
/70. Onde a gente se dividia entre bossa nova (brasileira), a jovem guarda e tb a americanização dos costumes, pois lógico a classe
média tijucana e "meierense", era tomada mais pela jovem guarda e
aquelas traduções de “Era um garoto que como eu amava os Beatles
e os Rolling Stones”. A guerra do Vietnam correndo, Woodstook a todo
gás e o máximo que a gente se permitia era, torcer por Mutantes
nos festivais da canção, vaiar ou aplaudir, A Banda ,o Sabiá, Margarida ouvir Chico Buarque e comprar o lp do “Julinho
da Adelaide”. Transgredir assistindo Hair ou Asdrubal trouxe o
trombone, Roda Viva, enquanto não proibiam. Tinha que ser, muito
rápido e ligado naquela época.
Discutir
Bergman e o Teorema no bar próximo do cinema Paissandu, mesmo eu
detestando os dois confesso. Comer submarinos no Gordon, ir aos
bares da moda e a praia que ficavam na zona sul, de ônibus,
dividida entre os modismos americaniazados de lá e de cá do outro
lado do tunel.
Da
ditadura mesmo, a gente nao ouvia nada, alienados de tudo, ouvindo um
buchicho aqui outro ali sobre a prima mais velha que era
universitária – estudava na UFRJ - aquele antro de comunistas
“cuidado menina, não se envolva, são perigosos”. Do que
ninguém sabia e ninguém viu na época, quantos eram mortos no porão
da ditadura e do DOPS, da repressão em que o vizinho militar, “
paraquedista” comentava vagamente pelo muro, principalmente a
mulher dele preocupada com os muitos plantões, etc. O que na
verdade, nao sei, só sempre a mesma frase “O que se ouve aqui não
se repete na rua, entendeu?”
Entendi? Nada!. A curiosidade eu matava no Pasquim, e nos livros
muito mais tarde. As verdades realmente, só vieram muito depois. Era
proibido proibir, mas era isso que faziam dia e noite estranho não?
Enfim, veio a maldita bomba do Rio Centro e a partir dai as coisas
ficaram mais claras. Porque 2 militares iriam explodir um monte de
artistas e pessoas num show de primeiro de maio? Parecia mais
primeiro de abril ou como se diz por aqui “poisson de avril” com
o mesmo esse duplo sentido entre peixe e veneno! Como as pessoas
estranhas nas cadeiras da faculdade mesmo a minha, tao “ coxinha”
tinha prova de OSPB. Colei tudo sempre, me recusava a aprender
aquela xaropada mentirosa dada por dois “coronéis” ou sei lá
que patente tinham, só que cheiravam a mofo.Tinham uns aluos
estranhos ex militar arquitetos que resolveram estudar medicina
depois de velhos e outros estranhos com cara de “museu” que
apareciam nas listas de presença. Gente esforçada aquela, tudo
dedo duro do Dops, mais discretos nao podiam ser, mas o cheiro de
“sangue sujo” exalava longe.
Após isso tudo, me salvaram os livros, a volta do irmão do Henfil,
a música, uma extensa curiosidade, uma vasta biblioteca - eu sempre
fui meio traça - e a verdade… finalmente começou a aflorar para
as crianças da ditadura. Aquelas que não foram torturadas, junto
aos seus pais e que carregaram por muito e muito tempo o estigma do
terror, aquelas que não foram mandadas para outro país forçadas e
tiveram uma vida mais clara de depoimentos vivos porém sem viver, na
terrinha. Aquelas que sofreram os efeitos diretos da fome no sertão,
da miséria das favelas e da necessidade de sobreviver, num regime
que roubava sim porém, ninguém sabia e muitos nunca souberam ou
porque se beneficiaram com isso e, hoje não querem se expor.
O
Pior depoimento de todos eu ouvi em forma de “piada”, foi do
marido de uma “amiga” que era a da marinha e contava rindo, que
tinham torturado alguém dias inteiros, que o cara estava quase
morto quando chegou na mão dele pois os “sargentos burros”
procuravam um periscópio escondido, quando a palavra certa que
deveriam procurar era mimeógrafo e, o pobre batido quase à morte,
não sabia de nenhum periscópio, ele apenas era encarregado de
imprimir panfletos num mimeógrafo à álcool que estava no porão de
casa. Perigoso... subversivo… Não?
Pelo
menos, ele não imprimia “fake news”, não era a moda na época.
E isso tudo para dizer a você, que participou dessa época, escutou
comigo o Je t’aime moi non plus, que comeu sanduíche no Gordon ou
no Genial , que foi ao baile do Mackenzieou do Varzea, que comia sanduíche de
mortadela em muriquí, pois era barato viu, que contou que colocou música em diretório
acadêmico e foi salvo, pois era irmão de general ,e que ouviu essa
mesma história cruel do tal do periscópio, ou viu mulheres
abortando e esmigalhadas nos hospitais militares do Rio. Hoje parece
que sofre de amnesia… Deve ser a nossa idade, por isso eu fiz
questão de escrever, para te lembrar, que se por raiva e ódio da
“mortadela” que vc na realidade gostava, mas parece que ficou
irritado com ela pois teve dor de barriga. Eu também tive mas,
curei. Não vale a pena. Apostar na volta disso tudo, que eu sei vc
não acredita que seja possível, pois isso tudo é “jogada”. Não
esqueça do parágrafo da BOMBA DO RIO CENTRO, foi aí que vc tomou
conhecimento que a verdade é um pouco, mais discreta e impossível
que parece, mas ela existe de verdade, maquiada, sim com o mesmo
mandante ou co autor e, dessa vez disfarçada em eleição.
Se
você não quer acreditar, ou sua raiva nao te permite, prefere
correr o Risco, eu só quero dizer que eu te amo! Nem que seja pela
nossa memória, respeito seu direito, ainda dentro de uma democracia,
que nós tivemos coisas em comum, cada um tomou o seu rumo a sua
vida. Mas a minha memória ainda continua boa e, espero que continue
ainda por alguns anos. Espero e, que continuemos amigos, que eu
não tenha que te dizer no futuro, VOCË é co-responsável por tudo
aquilo que tu cativas ou escolheu.
Boa
eleição... Amanhã vote com a consciência e com a memória desses
novos “anos dourados”! E boa continuação. Eu amo vocês! Mas
alguns eu realmente nao consigo entender… Saudade da adolescência?
Quando a única dúvida..., era ouvir Beatles ou Bossa Nova?
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